"Eu não sei me conter, não é?
Dê-me vinho, eu bebo tudo e jogo a garrafa no mundo.
Aqui vou eu, arrastando-me do mundo...
Com minha saliva fresca sobre a Bíblia."
[...]
Acordei com frio. A frase ainda na mente. Havia sonhado, de novo, com o trecho do filme O Libertino. Na verdade meus sonhos andavam estranhos, eu estava decorando o preâmbulo e o epílogo desse filme. Não foi brincadeira, já aconteceu com outras coisas, mas nunca com textos tão longos, e esse era quase toda noite.
Nesses momentos, em que eu acordava meio fora do mundo, eu não conseguia me olhar no espelho. Meu corpo inteiro ficava vermelho vivo e coçava muito, como uma viciada em heroína que no lugar da heroína tinha overdoses de sonhos.
Sentia uma leve pressão no meu peito, sufocante, minha garganta doía.
As vezes era tão forte, que eu achava ainda meio dormindo, que iria morrer assim como o personagem do filme. Não ficava triste nem aterrorizada, era só uma sensação pós sonho intenso.
Mas na maioria das vezes, ligava essa sensação, ao fato dessas insônias noturnas me darem a impressão que eu estava velha. Eu me sentia velha de todas as formas, menos da mais básica, minha imagem virtual.
Eu me olhava no espelho, via uma jovem. Não, não podia ser eu, aquele corpo quase adulto quase infantil não podia ser o meu.
Passava uma água no rosto e acordava um pouco. Pensava: eu gosto da minha aparência, mesmo mudando tanto esse cabelo, eu até gosto dele. Mas porque a nesses momentos de insônia eu penso assim? E todas as noites isso acontecia tão rápido! Essa 'mutação' se é que posso chamar assim. Eu estava com a imagem errada, tinha vontade de gritar que eu tinha 23 anos pra garota. Dizer pra ela que todos aqueles rapazes e amigos eram errados, tudo era jovem demais, e falavam demais. Aquela época não se calava.
De manhã o pesadelo acabava e eu n sentia nem um pingo dessas impressões até que em alguma noite eu acordasse de novo recitando quem sabe Shakespeare?
Eu ia ao shopping, as festas legalizadas e sem graça e adorava. Eu era jovem e queria ser sempre assim, a velhice só me lembrava da pressão sufocante no peito e das noites em frente o espelho.
Será que aquilo tudo era real?
Escancarava a janela, anoitecia e me faltava ar.
Sufocava a noite nos sonhos da mulher dançando nua na enorme casa vazia e tinha inveja do seu desprendimento da juventude.
Juventude clichê, sem nada na cabeça além das luzes na ponta do cabelo e bonezinho diesel na cabeça. Só acham o que os outros acham, só leram Código da Vinci e Harry Potter. Só se emocionaram vendo Um Amor Pra Recordar e riram assistindo a comédia As Branquelas. Consideram Madonna música antiga e amam Rebelde. Malhação? Big Brother? Programas obrigatórios para não faltar assunto com os seus. Festas? Chamam de balada e é Psy, Trance e Raggae. Fim de semana? Shopping. Literatura? Algum trecho de uma poesia de Fernando Pessoa tirado do msn ou fotolog de alguém.
Apesar de tudo são seres pretensiosos, filosóficos sem fundamentos concretos e sem nenhum pensamento interessante a passar uns pros outros.
(Será que fui eu, Alice, quem disse isso?)
Por que as pessoas ainda querem ser assim?
*Perséfone: Esposa de Hades. Comandava o mundo inferior a seu lado.