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About a Girl

Minha foto
"Nasci em 1992, no interior do estado. A dança-teatro e o cinema formaram meu primeiro imaginário: a palavra vinha como complemento das imagens. Quando descobri os livros, bem cedo, aceitei-os apenas como o lugar das palavras e das idéias, vendo as imagens a que remetiam ou sugeriam, como fantasmas imponderáveis e sem substância, descabidos, impróprios para aquele tipo de veículo. Quando me pedem que fale de mim mesma, sinto o incômodo, pergunto: que imagem devo projetar? Tenho tantas. Acho que a melhor para o caso é a que passo nos próprios posts, de alguém que escreve mas não acredita nos fantasmas das palavras, embora eles sejam inevitáveis. E a melhor forma de conviver sem temor com essas fantasias é jogar com elas, torná-las risíveis, desautorizá-las, de modo a evitar o poder técnico abusivo que tem quem escreve, para iludir o leitor."

Rabiscos Velhos

Aos destinatários destas palavras

"Pra dilatarmos a alma
Temos que nos desfazer
Pra nos tornarmos imortais
A gente tem que aprender a morrer
Com tudo aquilo que fomos
E tudo aquilo que somos nós"


O Teatro Mágico

Quem lê

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Ele a amara desde a infância até o momento em que a acompanhara ao cemitério, e amava-a em suas recordações. Isso o levara a pensar que a fidelidade é a primeira de todas as virtudes, que a fidelidade dá unidade à nossa vida, que, sem ela, iria estilhaçar-se em mil impressões fugidias.
Franz costumava falar sobre sua mãe com Sabina, talvez fosse de sua parte um plano inconsciente: supunha que Sabina ficaria seduzida por sua tendência à fidelidade, e que isso seria uma forma de prendê-la.
Era, porém, a traição e não a fidelidade que seduzia Sabina. A palavra fidelidade lembrava-lhe seu pai, puritano de província que, por lazer, pintava aos domingos o poente sobre a floresta e
buquês de rosas num vaso. Graças a ele, começou a desenhar muito jovem. Aos quatorze anos, apaixonou-se por um rapaz da sua idade. Seu pai teve medo, e proibiu-a de sair sozinha durante
um ano. Um dia, rindo muito alto, mostrou-lhe reproduções de Picasso. Já que não tinha o direito de amar um rapaz da sua idade, apaixonou-se pelo cubismo. Depois de formada, foi para
Praga com a reconfortante impressão de que finalmente poderia trair a família.
A traição. Desde nossa infância, papai e o professor nos repetem que é a coisa mais abominável que se possa conceber. Mas o que é trair? Trair é sair da ordem. Trair é sair da ordem e partir para o desconhecido. Sabina não conhece nada mais belo que partir para o desconhecido.
Inscreveu-se na Escola de Belas-Artes, mas não lhe era permitido pintar como Picasso. Era preciso então, obrigatoriamente, exercitar o que se chamava de realismo socialista, e na Escola de Belas-Artes fabricavam-se retratos dos chefes de Estado comunistas. Seu desejo de trair o pai continuava irrealizado, pois o comunismo não era senão outro pai, igualmente severo e limitado, que proibia não só o amor (a época era de puritanismo) mas também Picasso. Casou-se com um medíocre ator de Praga, só porque este tinha reputação de excêntrico, e porque os dois pais julgavam-no inaceitável. Depois sua mãe morreu. No dia seguinte, voltando a Praga depois do enterro, recebeu um telegrama: seu pai suicidara-se de desgosto.
O remorso tomou conta dela: seria tão errado da parte de seu pai pintar rosas num vaso e não amar Picasso? Seria tão condenável temer que a filha aos quatorze anos ficasse grávida? Seria
ridículo não ter conseguido viver sem sua mulher?
Mais uma vez, estava possuída pelo desejo de trair: trair sua traição inicial. Anunciou ao marido (não via mais nele um excêntrico, mas sobretudo um bêbado incômodo) que iria deixálo.
Mas se traimos B., por quem tínhamos traído A., isso não quer dizer que vamos nos reconciliar com A. A vida do artista de quem se divorciara não se parecia com a vida de seus pais traidos. A primeira traição é irreparável, ela provoca, numa reação em cadeia, outras traições das quais cada uma nos distancia cada vez mais do motivo da traição inicial.

[...] De perto ou de longe todo mundo estaria olhando; era preciso, de uma maneira ou de outra,
representar uma comédia diante de todo mundo; em vez de ser Sabina, ela seria forçada a representar o papel de Sabina e a descobrir a maneira de representá-lo. O amor oferecido ao
público como um alimento ganhava peso e tornava-se um fardo. Só de pensar nisso curvava-se, por antecipação, sob esse peso.
Estava ainda em plena confusão e não sabia se devia ou não ficar contente. Pensou no encontro deles no vagão-leito do trem de Amsterdã. Tivera vontade, naquele dia, de se jogar a seus pés, suplicando-lhe que ficasse com ela, de qualquer maneira, e que nunca mais a deixasse partir. Naquela noite, quis acabar de uma vez por todas com essa perigosa viagem de traição em traição. Teve vontade de parar.
O que é viver na verdade? Uma definição negativa é fácil: é não mentir, não se esconder, não dissimular nada.
Para Sabina, viver na verdade, é mentir nem para si nem para os outros, só seria possível se vivêssemos sem público. Havendo uma única testemunha de nossos atos, adaptamo-nos
de um jeito ou de outro aos olhos que nos observam, e nada mais do que fazemos é verdadeiro. Ter um público, pensar no público, é viver na mentira. Sabina despreza a literatura em que o autor revela toda a sua intimidade, e também a de seus amigos. Quem perde sua própria intimidade perde tudo, pensa Sabina. E quem a ela renuncia conscientemente é um monstro. Por isso Sabina não sofre por ter de esconder seu amor. Ao contrário, para ela esta é a única forma de viver na verdade.
Franz é forte, mas sua força é voltada unicamente para o exterior. Com as pessoas com quem vive, com aqueles que ama, é fraco. A fraqueza de Franz se chama bondade.
Franz jamais daria ordens a Sabina. Nunca mandaria - como Tomas fizera em outros tempos - que ela ficasse inteiramente nua em cima de um espelho e se pusesse a andar de um lado para o outro. Não que lhe falte sensualidade, mas ele não tem força para comandar. Existem coisas que só podem ser conseguidas com violência. O amor físico é impensável sem violência.
Sabina continuava com suas reflexões melancólicas.
Disse: - Por que de vez em quando você não usa sua força contra mim? - Porque amar é renunciar à força - respondeu Franz docemente.
Sabina compreendeu duas coisas: primeiro, que essa frase era bela e verdadeira. Em segundo lugar, que, com essa frase, Franz acabara de excluir-se de sua vida erótica.


*Uma pergunta me lembrou dessas partes do livro do Kundera hoje.

Essa Pequena

Posted on 21:52 In:



















Meu tempo é curto, o tempo dela sobra
Meu cabelo é cinza, o dela é cor de abóbora
Temo que não dure muito a nossa novela, mas
Eu sou tão feliz com ela

Meu dia voa e ela não acorda
Vou até a esquina, ela quer ir para a Flórida
Acho que nem sei direito o que é que ela fala, mas
Não canso de contemplá-la

Feito avarento, conto os meus minutos
Cada segundo que se esvai
Cuidando dela, que anda noutro mundo
Ela que esbanjar suas horas ao vento

Às vezes ela pinta a boca e sai
Fique à vontade, eu digo, take your time
Sinto que ainda vou penar com essa pequena, mas
O blues já valeu a pena
























Essa madrugada a narrativa será envolta pelo livro le femme rompue da Simone de Beauvoir. Identifico e ao mesmo tempo acho distante por demais os parâmetros que poderiam ser comparados a Simone e Sartre e as minhas narrativas.
Confesso que o difícil mesmo vem sendo escrever na primeira pessoa e jogar aos ventos a mistura de cores das máscaras dos meus personagens.
Pois bem, hoje falarei do homem que foi responsável pelos dias mais felizes da minha vida.

***

Não desejo que a vida se ponha a ter outras vontades que não as minhas. Foi isso que pensei ao largar meus antigos romances infantis e me embarcar cegamente num navio de premissas, sonhar com aquele país das maravilhas.
Mas apesar da cautela para amaciar a quebra de sonhos que se sucedia, a situação se tornou crítica. Talvez se tudo fosse direto, descuidado os rumos poderiam ser melhores, ou não. Só sei que as pessoas sempre simpatizam mais com a desgraça do que com a felicidade.
Não me sentia absolutamente rejeitada pelo meu meio; eu é que o abandonara a fim de entrar nessa sociedade de que via ali uma miniatura, um mundinho novo cheio de medos e esperanças.
Hoje cedo nossa história desabrochou na minha memória e desejei ardentemente ser de novo a garota que vai pro colégio de freiras de manhã e tem uma certeza serena… No entanto, não quero acreditar: um ato de fé é o ato mais desesperado que existe e quero que meu desespero pelo menos conserve sua lucidez. Não quero mentir para mim mesma, eu não sou essa garota e se ainda fosse seria cega, ardente de paixão, de sonhos e de desejos que visavam retardar o relógio. Já sabia que tudo aquilo um dia acabaria, por isso mesmo, fui a mulher mais feliz desse mundo naqueles meses, naquele ano.
Socialmente, o paralelo entre as nossas idades sempre foi notado com indiferença. As roupas eram colegiais, com direito a fichário colorido e tudo mais. O corpo ainda tinha traços de menina e os sonhos eram plenos mesmo que infantis e romantizados. O silêncio que permeava entre sua família quando descobria minha idade ou meu uniforme se arrastou comigo um bom tempo.
O frio no estômago quando o vi sem camisa naquela época explica tudo que eu era, uma menina encantada e ao mesmo tempo assustada; não sabia o que era corpo de homem. Me assustei com aquele peitoral largo que seria por tanto tempo o bálsamo do meu sono, foi com a cabeça recostada sobre ele que descobri que amava, e como amava cada pedaço daquele porto seguro.
Ele é todo beijo na testa e chocolate quente na cama. É o entrelaçar de pernas, sentir frio a noite porque eu roubei a coberta e não tem coragem de me tomar. É o braço dormente porque mesmo durante o sono aqueles abraços demorados não poderiam cessar, pra quê olhar pro lado para a certeza da sua presença quando posso te sentir comigo toda a noite, até o dia clarear.
Era inocente, reluzente. Era a pureza da chama que se consomem os diamantes mais límpidos, era a certeza de que mais do que tudo que já era, era tudo bem escrito com tamanho amor. Não era preciso saber onde o outro estava ou com quem estava, não tinha nenhum jogo de angústia. Cuidávamos sempre um do outro, nunca havia dor.
Amava mesmo as peculiaridades, os presentes de antigas namoradas expostos, o cheiro do cigarro em suas mãos e do café no seu hálito, amava a forma como ele não sabia se vestir, a sua indiferença com o futuro e amava até mesmo os seus roncos nas noites de inverno.
Era sonoridade, sabor, tom, pele, visual, intelecto e leveza.
O problema está no termo final, a minha leveza, a nossa leveza, doente de tão apaixonada. Cega e entorpecida passara das nuvens e prosseguia sem controle. Abandonamos a vida externa naquele ano, construímos o país das maravilhas e achávamos que duraria para sempre. Não durou, ele se agarrou ao último instante que pode antes de pegar as malas e seguir a estrada, sempre com juras que tudo aquilo era também por nós num futuro (in)certo.
Não havia dinheiro, espaço, conforto, comida, saídas, nada. Eram dois dias dentro de um quarto pequeno, quente com o desconforto do barulho do metrô. Eu esperava por aqueles dias mais que qualquer coisa na minha vida, toda vez que eu partia, que ele partia, era como se eu tivesse que morrer de novo, ver de novo o xadrez e o cinzeiro serem empacotados e levados para longe de mim.
A distância foi a melhor dor que senti na vida, dor com certeza plena de revigorada pelo relógio, que agora, tornara-se inimigo. Como é estranho o amor...
Precisei reviver tudo que foi belo e passou para encontrar o peso, que ironicamente surgiu da leveza mais extrema. Extremos, se avaliados no contexto geral, nunca são bons, mas quem vai negar a delícia que é morrer de amor?
Voei com a minha leve bagagem, difícil o abandono como pensei não foi. Difícil mesmo foi a nova vida, as paredes finas e a miniatura que tudo isso me tornou. Naquele tempo ele foi mais que família, pai, amigo, irmão. Ele foi os braços que machucaram carregando minha estante e as mãos que me acalentavam numa maca de hospital. Foi meu herói, não há palavra melhor.
Por isso ainda é tão difícil definir quando suas asas foram perdendo a cor, ou quando as minhas começaram a se espremer, implorando para crescer.
Amar é diferente de enxergar alguém como possibilidade para uma vida, o amor nem sempre dura o eterno retorno de Nietzsche.
Encerro ele aqui com muito cuidado e lágrimas que desconhecem a que sentimento pertencem.
Com ele nunca precisei de cautela para escrever sobre o amor.


*esse assunto é muito forte e não consigo revisar esse texto hoje, perdoem os tropeços.
**não revisei o texto, não posso mudar o que é tão sincero e espontâneo.




















Esse é um último e talvez único adeus dignamente verbalizado e unicamente direcionado a uma personalidade concreta e existente.
Em tudo que escrevo misturo histórias, amores, desamores, amigos, desconhecidos, rabiscos presentes, passados e principalmente personagens. Tenho costume de costurá-los uns nos outros pelas suas essências constantes e inconstantes que provém dos que me rodeiam. Gosto de embaralhá-los como cartas e jogá-los aos meus ventos. Feito isso, gosto ainda mais de acreditar que os imortalizei - justificativa do trecho da música do Teatro Mágico na descrição dos destinatários, todos aqueles que alimentam a essência dos meus personagens.
Apesar disso, só por hoje vou me ater a uma sugestão que recebi nessa manhã, começar a escrever sobre o mundo que não inventei, procurando me despedir de tudo que ainda pesa na bagagem. Só por uma vez escrever sobre um fato, sobre alguém que existiu, com uma ajuda de Virginia Woolf em certos momentos.
Escolhi o poema "Ultimo Poema" do Manoel Bandeira como determinante dos meus pesos e talvez, a saída para a leveza que busco.

***


No caminho além da porta da casa dele, ela se ateve aos reflexos do óculos de sol que cobriam mais que os olhos. Sabia que não voltaria mais.
Ainda se contenta em não buscar as respostas diretamente da fonte, não por orgulho, mas pelas interpretações errôneas que se sucediam nesse caso.
No entanto, era preciso um esclarecimento e se não seria para ele, que fosse para si mesma, para a mente se calar a respeito da frieza, do embrutecimento das falas, do rosto na janela que fazia questionar os métodos, não a decisão.
Esse é um adeus pra mente que permeia sobre o que não pode verbalizar, direciono-o para ela mais que para ele.
Nunca foi o que faltava. Perspicácia? Caráter? Fosse o que fosse, ele tinha isso.
Mas de tudo que existe, nada é tão estranho como as relações humanas, com suas mudanças, sua extraordinária (ir)racionalidade.
Dessa forma, tão logo essa palavra "amor" se verbalizou sonoricamente no quarto, ou mesmo lhe ocorreu como mera possibilidade futura, ela a rejeitou.
A rejeitou por se ver como um ser que não possui o pleno alcance de sua estabilidade. Quanto mais se tratando de um domínio de feelings, de relações afetivas pela metade.
Sempre lembro de Renato Russo cantando "afinal, será que amar é mesmo tudo?" quando recordo a expressão de baque que eriçava aqueles cabelos vermelhos.
De fato não estava pronta para um caminho incerto, uma hora a possibilidade não verbalizada aniquila tudo de uma vez ou progride de maneira assustadora. As relações humanas são mutáveis e imprevisíveis por demais.
Ela também nunca encontrou nada de tão extraordinário na natureza humana, a menos que esta se encontre submersa nas artes.
Se enganava dizendo que fugia dos artistas. Na família dela era costume pensar que artista é ainda mais instável que gente. Artista é bipolar nato - diziam.
De toda forma, sempre esteve exposta ao fascinante mundo daqueles que (re)produzem tudo que há de extraordinário na natureza humana.
A vida de encontros e desencontros, trazia novos artistas para sanar os verbetes passados vividos no antigo palco, nas cortinas empoeiradas e nos camarins apertados.
Verbetes que jamais jaziam dentro dela. Verbetes acesos certa vez nas páginas do livro, aquele que ele encontrou e depositou na sua estante.
Despertou saudade do palco, mas daquelas doídas fragmentadas de possibilidades. Quando a pergunta sobre a obra finalmente surgiu, ela disse que não havia nem mesmo lido o livro.
Apesar dos silêncios, acredito que a sua infelicidade é um estado de espírito. Quero dizer ainda que em meio a tudo isso, a resultante não obstante tem de ser uma causa específica necessariamente.
Mas existem seres tanto capazes de elevar esse estado de espírito, como outros que o reduzem até o mais ínfimo sopro. A menina fugiu em busca do seu eterno retorno nos braços desses seres que podem trazer de volta alguns raios de sol. Acredita que talvez tenha finalmente encontrado a fuga dos t(r)emores.
A perspectiva de céus e poços não é meramente intencional. Confesso que não sei o que é ou deveria ser, só sei que ele a reduzia como amante, e a elevava como amigo. Como amantes se objetalizavam e como amigos se compreendiam.
É o amigo que falta. Ela só se deu conta quando numa situação de pânico viu seus dedos digitarem o número dele no celular. Era um sentimento de companheirismo, confiança da ajuda certa, de quem tomaria as decisões mais racionais e seria sincera quanto aos resultados, muito diferente dos passos oscilantes do amante que só refletiam insegurança e meias verdades.
Hoje gosto de imagina-lo como alguém que esteja sempre em pleno voo. Lê-lo, ao que tudo indica, eu não devo mais.



*Foi a primeira vez que eu tinha a fotografia na cabeça em sintonia com o texto, a escolha não poderia ser diferente.

Último Poema

Posted on 19:35 In:




























Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

A Química entre a Leveza e o Peso

Posted on 19:12

Meus dias chuvosos foram estáveis, quisera eu também serenos.
A ânsia do novo começou, finalmente, a regredir para talvez um inevitável fim das minhas ilusões.
Das desilusões me abastei, enfrentei da maneira mais racional que pude.
Era satisfatório, tinha de ser efêmero.
Será efêmero mesmo se um dia, com a minha prévia calma, se concretizar.
Me senti o ser mais belo por um dia e o mais horrendo no outro, fazia parte, o que estava em jogo era a imagem não a razão.
A futilidade do espelho me libertou da sobrecarga da razão, dos livros, da políticagem e até mesmo do pesado Vade Mecum.
Estou aceitando o que sou, sem pena, sem perder o foco dos meus objetivos.
Prometi não mais me perder do que sou, de reconhecer, por fim, as sábias palavras de Carrol* através do espelho, as brisas de Woolf** sobre meus poemas, o roçar dos gatos sob meus dias e o calento da noite, das cobertas limpas deslizando sob meu corpo.
Finalmente senti que existia, com ajuda? sim.
Não me sinto subjugada ou menos que qualquer um por ter precisado gritar, e gritei... como gritei.
Ao quebrar o silêncio assustei a todos e a mim por cavar fundo demais. Escolhi não me esconder mais na superfície, no submundo do país das maravilhas que sempre criei.
Descobri que existia, que o contato era real e que a química e o poço que cavei feriam, envergonhavam, mas tenho esperança que podem me trazer de volta.
Descobri que posso sobrevoar o real, comandá-lo e, talvez um dia, abraça-lo como parte de mim.
Por enquanto, aceito minha condição de permear entre a existência e a não-existência. Acredito que fará parte do processo de alavancagem, do despertar que me restou.
A menina dos belos cabelos negros disse que talvez o caminho seja esse, disse que se orgulha de mim. Espero um dia me orgulhar com real empatia também, não aquele orgulho de se sentir subjugado em relação ao outro.
Talvez reste tão pouco tempo, ou então seja preciso tempo demais ou talvez, o tempo nem mesmo exista no caminho que escolhi.
Sinto medo, aquela reviravolta no estômago do inesperado. Minhas auto sabotagens me ameaçam com perdas sem oferecer saídas.
Por hoje vou evitar o que me dói, por agora os calmantes levaram o gosto amargo, das enfermidades do corpo você sempre me fortaleceu.
Vou esquecer uma noite o medo de não te ter amanhã ao meu lado e que seja doce enquanto dure.
Apaguei as lágrimas sem cigarros.

*Lewis Carrol
*Virginia Woolf

Posted on 20:07




























e o fato de que a distância aniquila de uma vez ou aumenta o sentimento de maneira assustadora.

(empty title)

Posted on 22:24 In:

Códigos, bulas, pílulas.
Os olhares densos na farmácia, são tantos remédios "como ela é nova para tomar essas coisas" diz a hesitação nos lábios do farmacêutico ao pedir a identidade.
"Com esse tanto de remédio já esteve internada, pode ter certeza. Deve ser drogas, todos esses jovens de hoje são drogados." diz os olhos da senhora dos cachos branco azulados na fila ao lado.
"Porque você precisa disso minha filha? Você é tão nova, isso é realmente necessário?"

Não falo, não explico.
Ouço os gritos e expresso-os com timidez ao tique-taque da sala do médico. Eu estou louca de tão nova, tão nova como dizem que sou.
Minha mente não fala, não é capaz de reproduzir nem mesmo um mínimo ruído.
O que eu devo fazer doutor? Não quero dormir sozinha essa noite, fico tão pequena naquela cama grande.
A dor não oscila, os sorrisos oscilam em meio a tudo que me dói.
A tudo que sinto, que falta. Falta no que sinto.
Tudo que droga nenhuma preenche, o vazio, a falta do mar.
A falta de amor ao mar.
Eu decepciono a todos que me amam, mutilo as pessoas pagando um preço três vezes mais denso.
Por três vezes foi mais amargo, por três vezes desamei e reaprendi a amar.
Ou talvez, por três vezes não senti nada além do vazio do mar.


























Eu lhe contarei como vai ser daqui pra frente...
Eu a vi no ônibus e.. bem, foi isso. Foi mais do que um passar por você, é mais do que um encontrar de olhos.
Eu lhe contarei o que vai ser de agora em diante...
Eu a vi no ônibus, vi seus sapatos favoritos, mas eles se desmancharam há um tempo atrás...

Tudo bem, não é minha culpa, eu não ligo.
Não me arrependo de nada, não é minha culpa.

Eu lhe digo como tudo vai ser...
Como perder um pedaço, como senti-lo ir embora.
Parta quando escurecer, não ao meu lado, eu não estarei lá para te abraçar.

Vá embora, eu lhe contarei como vai ser...
Não, você nunca poderá segurar minha mão de novo.

Não é minha culpa, eu não ligo.
Não me arrependo de nada, não foi minha culpa.

Você poderia ter tudo
Oh eu te daria tudo, não fosse as mentiras
Você poderia ter tido tudo



Where is my mind?

Posted on 22:31 In:




























Minha mente está em você, não minha voz.
A teia que teces sobre tantas não irá me preencher.
Dentre as míticas figuras desta noite,
está o relógio que contava as horas.
Se não podes ser inteiro no que faz, que se vá.
Pare de me torturar já que não sou o que deseja.
Minha mente ainda está... ainda está a se mutilar.
A substituir abraços em teu leito,
a ser fantoche e mendigar por palavras sinceras.
Traindo desejos, farta de jogos.
Quisera eu te ligar agora e saber como foi seu dia,
quisera eu te querer sem passos incertos
sem te ouvir reviver outras cores.
Eu não desisti, só não pude mais esperar,
tentarei te substituir por outros sonhos.
As mágoas nunca permanecem por muito tempo,
mas com elas irão também os sentimentos.
Espero que o vazio também se vá.
Ainda te anseio em minha porta como na mente
levo tais desejos em mim calada, por estar segura assim.
Sinto que, como Poe, se amei, foi só.




Saudade meia boca

Posted on 22:22 In:




















pensei que fosse
receber hoje
um tele
fonema
seu,

mas já que
não recebi
melhor ligar
a tele
visão.

como seria bom
se a saudade
se matasse
por tele
patia.

Hey!

Posted on 13:57 In:






















Hey
estive tentando te encontrar

Hey
deve haver algum demônio entre nós
ou vadias na minha cabeça
há vadias na minha porta
ou vadias na minha cama

mas, Hey!
onde você esteve?
se você me obrigar a ir
eu certamente vou morrer
estou acorrentado

'uh'
disse o homem para a senhorita
'uh'
disse a senhorita para o homem que ela adorava
e as vadias como um coro
fazem 'uh' por toda a noite
e quanto a você Mary, não está cansada disso?



Infância

Posted on 23:57 In:




























Não fui, na infância, como os outros
nunca enxerguei com os olhos dos outros,
nunca vi como viam.
Minhas paixões eu não podia
tirar de fonte igual à deles;
e era outra a origem da tristeza,
e era outro o canto, que acordava
o coração para a alegria.
Tudo o que amei, amei sozinho.
Assim, na minha infância, na alba
da tormentosa vida, ergueu-se,
no bem, no mal, de cada abismo,
a encadear-me, o meu mistério.
Veio dos rios, veio da fonte,
da rubra escarpa da montanha,
do sol, que todo me envolvia
em outonais clarões dourados;
e dos relâmpagos vermelhos
que o céu inteiro incendiavam;
e do trovão, da tempestade,
daquela nuvem que se alteava,
só, no amplo azul do céu puríssimo,
como um demôno, ante meus olhos.
Tudo que amei, amei sozinho.

Nevermore

Posted on 23:15 In:



















‎"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse.
"Parte!
Torna á noite e à tempestade!
Tira-te de meus umbrais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"

A este luto e este degredo,
A esta noite e este segredo,
A esta casa de ânsia e medo,
Dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!

Disse o corvo, "Nunca mais"

Destempero

Posted on 22:19 In:




























me reproche
pelo amor de Deus
me impeça!

não me cuspa apenas desprezo
ou eu fico a esmo
como sapato sem par.

também não se faça de vítima
não se cubra de desculpas
que isso já é prova legítima
que deseja me magoar.

me reproche
pelo amor de Deus
me reproche!

quando não falas nada,
minha alma se torna angustiada
inquieta ao tentar te decifrar.

e não se feche a meu desespero,
não ignore a insegurança
fruto do destempero,
plantado a esmo, dentre tantas a par.

me reproche
pelo amor de Deus
me dê a verdade!

pois também não sou fantoche,
desfaça essa cara de deboche
que aí é sacanear.

Era das Concessões

Posted on 15:14 In:




















Por que você não me deixa partir?
Estas palavras que aqui jazem, ferem tanto...
Não sou do tipo que te falará o que deseja
Não sou do tipo que precisará te dizer
Só o que você quiser ouvir

Acordei do seu lado esta manhã,
E pensei que talvez você fosse gostar de saber...
Recebi sua mensagem completa há uns dias atrás
Eu compreendi cada palavra do que você disse
E agora que realmente a ouvi, eu posso dizer:
Você vai se arrepender.

E não sou do tipo que vai gostar de te dizer
Só o que você quiser ouvir
Você não é do tipo que precisa recitar-me
Poemas sobre pássaros e abelhas

Esbarramos em acontecimentos passados a todo o tempo
E o ponto crucial um dia se torna crime
Eu não serei do tipo que gostará de dizer
Eu não sou do tipo que precisará te dizer...



A Grande Marcha

Posted on 21:22 In:


















A grande marcha não era necessariamente para encorajar beleza ou mostrar força, na verdade ela se encontrava em um pequeno objeto, aquele velho livro.
Não havia nela entusiasmo e muito menos leveza nas saias das grossas pernas juvenis, a grande marcha era passado e presente, o descartar de um futuro e, dentro do Eterno Retorno*, a imponente roda da fortuna.
Hoje eu vi o sol morrer pensando no pai, no sereno da noite, escutei mais uma morte no azul da lua. É o óbito de sensações ao pensar no meu livro, na minha história e o que ela significa expressa em outras histórias...
Minha heroína, que não passa de uma libertina com um chapéu de coco, fugindo estupidamente do amor considerado ideal. Meu herói, alguém cuja leveza tornou-se defeito e é obsessivamente idolatrado, na esperança da mudança ajustável. A minha pequena... ah, o que dizer da minha pequena? Ela não merecia ser taxada de mais uma vítima, frágil até os ossos, até parece se deliciar com esse papel. Só se esqueceram de contar como ela destrói toda a leveza do herói nas últimas páginas.
Não, essa não é a minha história.
A minha história é o mais belo e efêmero dos pesadelos, não criou personagens além das simbologias numéricas de Sofia.
Não se enquadrou em fatos, é o Eterno Retorno vivo, emoldurou a fortuna em desuso e gritou a plenos pulmões: einmal ist keinmal!
Gritou para se sentir viva, para nunca esquecer que uma vez não conta, que uma vez é nunca. É preciso três, sete, doze para amar todos os es muss sein.
E como eu os amo.

"Olhar o pátio, impotente, e não conseguir tomar uma decisão; ouvir o ruído obstinado do próprio ventre num momento de exaltação amorosa, trair e não saber parar na estrada tão bela das traições; erguer o punho no desfile da Grande Marcha [...] conheci e eu mesmo vivi todas essas situações; de nenhuma delas, no entanto, saiu o personagem que eu mesmo sou no meu curriculum vitae. Os personagens do meu romance são minhas próprias possibilidades que não foram realizadas. É o que me faz amá-los, todos, e ao mesmo tempo a todos temer. O que me atrai é essa fronteira que eles atravessam (fronteira além da qual termina o meu eu)." - Milan Kundera


*http://migre.me/5vSQO

A Tereza que abandonei

Posted on 10:24 In:




























Sempre que me via nos braços de Miguel, me sentia como uma Tereza*, aquela criança ingênua e até mesmo frágil, entorpecida de amor. Tamanha doçura fazia fechar os olhos pro mundo, pras pessoas e pros rascunhos. Era cuidado que transbordava, era sua boneca de porcelana, tão pequena e perfumada. Sim, como era bem cuidada...
Sentia o abraço quente, a comida na mesa, os pés tão pequenos e delicados em cima dos de Miguel, caminhávamos assim para o quarto, com meus pés pequeninos em cima dos dele, tão grandes. Sorriamos, caíamos, eramos uma pessoa só.
Estava segura, tão segura... se perguntassem do quê, não saberia responder. Se perguntassem porque tudo aquilo não foi o suficiente, saberia menos ainda.
Então, certo dia, fugiu. Fugiu dos sonhos, dos braços fortes, da segurança e, no mais, levou todo o amor. Só não se deu conta de que o que amava era a fuga e não seu destino.
Não se deu conta que a leveza de Miguel não viveria sem o amor que fora levado, nada é tão forte assim... mas não se tratava de força, ele não merecia tudo aquilo... aquele amor tão puro nunca mereceu.
Abandonei Tereza ainda febril, não devolvi nem as malas. Ficou parada na beira da estrada com um exemplar surrado de Anna Karênina debaixo dos braços.
Braços que hoje só pertencem a lembranças do que um dia chamei de número seis.


*Referência a personagem de Milan Kundera do livro A Insustentável Leveza do Ser.

Sabina

Posted on 03:21 In:

Hoje me senti tão forte, erguida sobre toda aquela areia movediça. Ao mesmo tempo senti que não sei se desejo toda essa força, que tudo que fiz foi sujo e até mesmo proposital... esperando, sempre esperando por algo inominável que nunca pude ao certo dizer que amava.
A sujeira das minhas palavras ficou engasgada sobre o meu corpo, pelo seu cheiro nas minhas roupas. Me tornei Sabina*, livre, sem raízes no chão e no coração. Me tornei leve, nos lençóis, nas palavras e nos sabores... Propensamente usável de corpo e alma.
Porém, nunca nos sonhos, nos sonhos não poderia. A densa névoa negra que me persegue todas as noites me questiona: "Quem é você?" assim como a Lagarta um dia questionou Alice.
Me tornei a outra, a que subtrai sonhos, que espera, que usa máscaras e foge de quem a protegeu com amor infinito.
Hoje eu confesso que choro, mas não choro por mim e nem pela minha decisão de não engolir mais suas palavras secas. Eu choro por Miguel, choro por todos aqueles vinhos batizados de mercúrio que não foram suficientes pra me prender. O que já foi?
Sempre te vi leve, mas as manchas, como imaginei, foram inevitáveis. Pesaram toda uma história simplesmente pelo fato de você tentar tanto escondê-las... se tornaram ainda mais distorcidas, deformadas.
Penso que não posso fazer parte disso mais, não quero. É tanto peso e eu só enxergo a falta. Você falta, pesa e se tranca no seu País das Maravilhas, que consegue ter um buraco mais fundo que o meu... e como eu não posso... como cansei de tentar decifrar-te.
Sim, esse é meu adeus a Sabina que você chamou em mim, no mais, te agradeço por ela. Ela me fez crescer como nunca imaginei mas, por agora, o adeus também se amplia a você.
Adeus e por favor, não retorne... não até o fim desse agosto, que se tornou tudo, menos meu.


*Referência a personagem do livro de Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser.

Em Quadros

Posted on 00:04 In:



















Certo dia, buscou-me a Lua na janela, tão frágil banhada de novas cores. Mostrou-me que algumas de suas faces podiam ser tão alaranjadas quanto o sol. Tento entender o exato momento em que o escarlate tão fresco se misturou com tantas outras cores e se perdeu de vista... Tento entender tanta coisa enquanto espero, enquanto procuro pelo que espero.
Venho hoje, dentre tantos sonetos e preâmbulos, despedir-me da ideia de despedir de você. É que esse mesmo texto começou como um texto de despedida que nunca seria entregue. Não consigo, na verdade nunca desejei realmente, acreditava apenas que era preciso.
Nesse tempo, te senti como algo jovem, tão efêmero... como uma idealização sã. Um querer ser adormecido e acordado tão repentinamente por tantas notas e claves. Um poder ser que me virou do avesso ao sussurrar nos meus ouvidos: deve ser, é preciso ser, es muss sein - e como eu queria que fosse.
Confesso que você é pra mim algo tão leve e vivo de uma forma invejável, mas não é exatamente isso o que procuramos tentando despertar o amor? O que desejamos intimamente e não podemos ser?
Eu só procurava entender, não penso em nada além do que desejo ter e ainda me encaro desajeitada pensando se realmente tenho. Você não procurava, mas encontrava longos cabelos vermelhos, escondidos nas roupas e lençóis... brincando descuidados com aquela saudade mansa que faz sorrir.
Ainda não sei o que espero, penso que um sinal, um convite ou apenas mais um copo de vinho uma noite... Enquanto isso me afasto dos fantasmas, é uma batalha diária, confesso. Seria bom ter mais verbos para flexionar, menos esperas e inseguranças...
Sim, eu me sinto tão insegura, sua leveza me traz calma mas nosso silêncio sela um pacto com a insegurança aguçada por outros. Talvez a culpa seja apenas da distância atual, que repele e ao mesmo tempo fascina, mas a mim também confunde. Mistura cores e aromas.
Todos os dias em que ele bate a minha porta, só vejo mar. A insegurança me assombra, procuro por você, encontro seus lindos olhos na minha mente, me fitando de forma serena. Não sei o que dizer a eles, não sei o que esperar encontrar neles... Amor? Paixão? Não sei ainda que expressão eles tomariam com palavras tão fortes assim, mas sei que sinto algo ainda inominável, que pulsa sem compreender... um querer desenfreado tão limpo e sonoro pelas palavras desenhadas, desejadas no seu corpo.
Kundera me ensinou sobre a Leveza e o Peso, você me mostrou-os da forma mais crua que já pude ver. Comprou pincéis, cavalete e pediu-me para pintá-las em aquarelas nuas. Não deixei, mas como eu queria ter aquelas suaves noites pra procurar nos teus quadros agora.
Me sinto nesse momento tão leve, não lamento nada mais, nem me culpo - como sempre o fiz na sua frente. Apesar de tantas brisas breves, eu continuo me perdendo a procura de um porto seguro naqueles olhos, nas palavras que busco deles. Por que ainda se prolongam? Não vêem que espero?
Tento não importar, permaneço por aqui, quietinha, encolhida com os meus sonetos, ando carregando só os nomes que você me deu.
Soube que a lua não visita sua janela há um tempo, que seus lençóis foram limpos e estão pesados. Eu senti suas correntes antigas com um arrepio gelado.
Ninguém esperava, mas permaneci imune, é uma empatia tão forte e singela a que sinto. Eu te compreendia, ainda compreendo... compreendo até seus fantasmas.
Quanto aos meus, me arrastam por aqui, desidratam até os ossos... confesso ter buscado seu nome muitas vezes para desautorizá-los, desmembrá-los... Mas me sinto tão perdida, os poetas já não trazem tantas respostas.
Confesso ainda ter caminhado por campos literários em que nunca fui chamada, talvez pelo desejo de não sentir mais esse medo seco, nem essa coragem falha. Nessas noites trêmulas, senti uma tremenda falta de chão quando, finalmente, dei de frente com histórias que não me pertenciam. O resto veio como consequência, com uma brisa perdida sem nome.
Não associei mais, não quis pensar no que aqueles olhos me diriam. Não faz, nem nunca irá fazer, parte da leveza das cores que me fazem querer você, de tantas formas e tão bem.
























Acordei às sete da manhã e não podia, nem se quisesse, dormir de novo. Andava pensando como seria se *Anna Karênina, depois da tumultuada trama com Conde Vroski, escolhesse não pular em frente aquele trem... o que aconteceria se, depois de tudo, Anna tivesse a opção de retornar para o Karênin? Com certeza, não teria sido um final tão belo e trágico, mas porque não se contentar com esses frágeis restos de uma vida passada tornando-os algum dia suspiros de sonhos almejados? Com o tempo o passado ministrado com o presente poderia, quem sabe, se tornar uma grande mentira contada tantas vezes a ponto de se tornar a verdade manipulada.

***

Alice tinha regressado do jantar, sentia-se fraca e não conseguia absorver tudo que lhe foi dito. Era fato que já sabia, secretamente, já sabia de cada palavra que havia saído aquela noite dos lábios de Caroline. Fez-se de ingênua para mostrar para Deus sabe quem que não se importava. Quando retornou sentiu uma fome não saciada, havia passado o dia todo com o almoço, mesmo assim não foi capaz de dizer, havia perdido a fome e nem percebia. Havia entregado todo o trabalho do corpo pra mente, queria ajudar Caroline, com todas as forças. Para isso escondeu todas as mortes, a da mãe, a do amor de Miguel e a de Amélia Passos. Caroline não precisava saber, não deveria saber, era preciso ser assim - es muss sein.
Agora, a vertigem contida estava estampada para todos. Caminhou pra casa, e como num lastro de um destino torto encontrou Miguel com meia garrafa de vinho na porta de sua casa. Não houve rodeios, ele disse exatamente tudo que deveria dizer, fez exatamente tudo que deveria fazer. Sempre soube ser o melhor amante com maestria.
Miguel era o verdadeiro pretérito mais que perfeito, tão distante e sempre de prontidão a dar mais do que o esperado. Não havia o que mudar no seu amor por Alice. Ele era melhor do que qualquer outro e ela sabia.
Não haveria nenhum outro como ele era, nenhum seria capaz de fazer o que ele fazia. Podia trazer a lua e as estrelas sem ela almejar ou pedir. Mas porque tamanho amor não a aquecia? Porque não a tocava?
Miguel não era capaz de ser, como pessoa, admirável... era ingênuo, na maioria das vezes, se passava por bobo perto dos outros. Defendia o que não sabia, falava demais sem medir as palavras, era todo coração.
Coração que se encontrava parado ali, de prontidão diante dela. Como seria reconfortante retribuir os sonhos de Miguel...
Não foi preciso tantas palavras, quando se deu conta, já estavam no quarto. Ele dizia tudo que qualquer mulher desejaria ouvir. Mas as doces palavras e juras de amor não eram retribuídas, mesmo assim, isso não o impedia de continuar... o amor é engraçado. Alice não podia ouvir, a porta da sua memória poética** estava fechada, por mais que Miguel batesse, era toda corpo.
Ele percebeu que ela não expressava as reações esperadas, sabia que ela nunca fora assim. Não disse nada, pelo contrário, acentuou as palavras, gestos, suspirou com mais amor. Buscou, inutilmente, trazer mais que as estrelas.
Alice não o impedia mas também não fazia nada, quando percebeu que aquilo tudo não era de desejo seu, se fechou num casulo compacto... e enquanto Miguel se esforçava para ascender a memória poética, ela se lembrava de Caroline... enquanto as mãos afagavam seus cabelos, ela recordava as de Caroline mais cedo segurando as suas firmemente e a empatia sentida pelos seus problemas... Logo, Alice sabia que ela iria partir e era preciso escutar, entender e deixar que fosse assim - es muss sein.
No meio de tantos pensamentos sentiu o membro rígido de Miguel se aproximar, aquila visão a chocou. Arruinava a peça e descaracterizava os personagens. Não pôde suportar mais, apertou os olhos em prantos, as lágrimas começaram a rolar... se tornou o que deveria ter sido desde o jantar mas não pode ser. A força finalmente se fora, virou mar.
Isso bastou para parar tudo, naquela noite ele soube que nada que dissesse ou fizesse tocaria a poesia, nada a faria voltar. Naquela noite ele também se fez mar.


*Romance de Leon Tólstoi
**Refere-se a um termo do livro A Insustentável Leveza do Ser de Milan Kundera

A Tangerina e o Bagaço

Posted on 22:19 In:





















Essa tarde andei pensando sobre a Tangerina e o Bagaço. Como as pessoas se confundem quanto a idealizações dos próprios fantasmas passados e como é fácil esquecer o que não faz parte deles.
O coração é algo engraçado, revive sentimentos maravilhosos, apaga o que não deveria ser lembrado e prega peças... insiste em (re)afirmar o que queremos mas já aprendemos que não devemos. Faz parecer tão simples e até mesmo belo. Até que um dia o que era fresco e firme murcha, só nos resta bagaços... pedaços desfeitos de começos perfeitos.
Andei lendo Sylvia Plath e me deparei com um trecho a respeito de tudo isso, Sylvia descreveu algo semelhante ao dizer que não é possível recomeçar a cada novo segundo. Que temos de julgar a partir do que já está morto. Como areia movediça, invencível desde o início...
Sim, o que está morto é invencível, mesmo assim, teimamos numa comparação onde só o passado ganha. Só há como vencer o passado renunciando o presente, renunciando seus fantasmas. É preciso voltar ao passado e descobrir se ele é maior do que todas as insatisfações que o fizeram se tornar um pretérito mais que perfeito, que só é perfeito nas armadilhas do coração.
Ah, mas como os mortos são repletos de ideais, como são amados! Tudo que é distante causa-nos uma intensa repulsa ou fascínio. Desvia-nos do novo, do desconhecido... Tão incerto. O passado é seguro, a segurança vence as insatisfações, apaga-as... Deixa-nos sorrisos dos começos e por fim, nostalgia.
Quando nos somos capazes de vencer o passado (quando é necessário que ele seja vencido) pode ser tão tarde.. a areia movediça não consta forças, se desfaz feroz sobre nossas cabeças.
Percebi quando vi que passei todo esse tempo fugindo, presa ao passado... e por fim, o relógio me anunciou as últimas badaladas.
Todos os medos, dúvidas e anseios que depositei sobre você, de repente recaíram sobre mim. Eu sei como é difícil... sei melhor do que ninguém. É maravilhoso reviver secretamente aquelas primaveras.
Portanto, se lhe restam dúvidas faça o que deve ser feito, vá buscar o que procura, viva o que ainda não foi resolvido. E.. se achar que deve retornar algum dia, volte... talvez eu ainda esteja por aqui...
Escolho não estar enquanto houver dúvidas, enquanto formos um remédio dos erros passados. Não porque eu não deseje o presente, eu o desejo, mais do que tudo. Mas o desejo como uma fina gaze diáfana, frágil mas clara... e tudo o que você tem me mostrado desde que abriu tumbas está prostrado, pesado.
Desejo es muss sein, sem fantasmas além de Bethoven.

Um Nome

Posted on 19:03 In:




























Me disseram certa vez, que é preciso coragem para escrever na primeira pessoa. Não sei o que esboçar quanto a minha dificuldade de escrever sobre Caroline... Me perco nas frases, confundo sentimentos e chego a me envergonhar. Me pego desviando de toda a gramática de uma forma estupidamente imatura.
Caroline... só eu a chamo assim sempre, a batizei dessa forma no momento em que ela me presenteou com um nome diferente do que eu costumava ter - ser conhecida. Meu novo nome poderia ter sido associado a tantas outras memórias do passado, mas mais do que tudo pertencia naquele momento as justificativas de Caroline.
No começo, confesso que não o sentia como substantivo próprio, mas logo cedi quando, com voz mansa, disse-me que era mais bonito assim e que, portanto, seria assim - es muss sein.
Logo, não senti incômodo ao tratá-la de uma forma diferente também, não foi proposital. Nunca entendi porque não me referia a ela pelo apelido que todos a chamavam, justifico pra mim mesma através da perspectiva em que a conheci, de ser pra ser. Não houve ninguém pra nos apresentar, foi um novo mundo isolado de conceitos, grupos e nomes.
Não confessei que também achava mais bonito chamá-la pelo nome próprio, simplesmente nunca consegui pronunciar Carol. Carol não fazia parte do que ela era pra mim, tornou-se Caroline desse dia em diante. No momento em que partirmos, cada qual para seu próprio caminho, Caroline partirá junto e deverei chamá-la de Carol. É preciso que seja assim - es muss sein.

Branca de Neve

Posted on 23:16 In:




























Palavras da madrugada redigidas em primeira pessoa, resta coragem...
Com amor as águas não teriam turbulência, seria tudo tão fácil.
Poderia ser só paixão, também serve.
A felicidade dos apaixonados, tão almejada.

Podem servir algo que amoleça um coração enrijecido?
Os olhos brilhantes não possuem foco.
Derramam os mais belos poemas. As palavras são as únicas capazes de mudar a feição deste rosto.

Ao vivo não vivo. Sobre a luz da manhã escondo.
Fujo de todos os braços firmes, quero cuidado.
Tudo tem seu preço: será retribuído somente com palavras sujas.
É a puta da esquina, é a virgem Maria.

Seu coração pelo o que quiser de pior em mim, serve?
Perdem tempo, mutilando o que há de vivo por trás das próprias máscaras.
Eu não existo.
Daqui só saem palavras, o coração trêmulo se mantém sempre no peito.

Todos os gestos são descaracterizados, exalam sexo.
Restam as palavras que recebo, são capazes avivar algo em algum lugar.
Até quando?
O tempo voa nesse meu conto (quase que) de fadas.





























O que é a sedução? Pode-se dizer que é um comportamento que deve dar a entender que uma aproximação sexual é possível, sem que essa eventualidade possa ser entendida como uma
certeza. Em outras palavras, a sedução é uma promessa de sexo, mas uma promessa sem garantia.
Tereza está de pé atrás do balcão do bar e os clientes a quem serve bebidas fazem-lhe propostas. Será que acha desagradável esse assédio contínuo de elogios, de subentendidos, de histórias maliciosas, convites, sorrisos e olhares? De maneira nenhuma. Sente um desejo incontrolável de oferecer seu corpo (esse corpo que ela gostaria de banir para longe), de oferecê-lo a essa ressaca.
Tomas não pára de tentar persuadi-la de que entre o amor e o ato do amor são dois mundos diferentes. Ela se recusava a admiti-lo. Agora está cercada de homens que não lhe inspiram a menor simpatia. Que sensação lhe daria dormir com um deles? Tem vontade de experimentar, nem que seja sob essa forma de promessa sem compromisso que é a sedução.
Não nos enganemos, não quer se vingar de Tomas. Procura uma saída para o labirinto. Sabe que é um peso para ele: leva as coisas muito a sério, vê tudo pelo lado trágico, não consegue entender a leveza e a futilidade alegre do amor físico. Como gostaria de aprender a leveza! Queria que a ensinassem a não ser anacrônica!




























Notas dispersas.
Móveis espalhados ao acaso.
Vento dando de cara contra a parede.
Luzes fragmentadas.
Apenas restos de falas. As que consigo lembrar.
Promessas. Por que perder seu tempo?
Tua voz. Minha cabeça rodando.
Recordações dos teus versos, dos teus gemidos, daquilo que pareceu, por um instante, ser o que eu viria a amar em você. Desperdício de intenções.
Sobra de descuidos e inverdades. Tua camisa, emprestada em um dia de chuva. Jogada ao acaso sobre minha televisão. Não toco.
Não consigo encostar. Te mando pelo correio? Jogo fora?
Teu tom, teu som, tuas marcas no meu violão.
Apago tudo fechando os olhos.
[...]

Eu espero

Posted on 22:05 In:




























Na noite passada fui questionada sobre o significado das memórias encrustadas de sensações antigas, sentimentos passados que nós assustam tanto mas que desejamos mais do que tudo possuir novamente.
O que significa essa falta de sentimentos que dura tanto, que nós persegue de maneira miserável mas que pode, facilmente, se acabar de uma hora pra outra?
Nunca foi capaz de ser gradual, não comigo. Ou é sim ou é não, nunca há o que aprender.
Está entre o momento em que saímos por uma porta, despreocupados, e o breve retorno, sim o retorno é tão diferente. Há toda uma bagagem de sentimentos e reviravoltas que voltam e estão intimante ligadas a esse breve momento do retorno.
A pequena menina me confessou que sentia falta de olhos brilhantes mas que, no fundo, era melhor assim estaria fora do mundo por um tempo.
Também sempre acreditei nisso por muito tempo, confesso, mas lhe disse que há muito o que conhecer e que há pouco me descobri extasiada por um novo saber.
Não sente medo? - me perguntou. O que será se tudo der errado? Como ficará se todos se forem de uma vez por todas? Não tem medo de ficar sozinha?
Respondi-lhe que não mais, que cair mil vezes me fará melhor do que a estagnação.
Ela sorriu e disse que quando sentisse medo era nisso que ia pensar, despediu-se "Te ligo amanhã". Não ligou.
O silêncio das pessoas é algo que sempre me inquietou, mas o meu próprio consegue ser mais desconfortante. Sempre tive receio de procurar as pessoas e não ter o mesmo retorno, sempre.
Olhei o celular em busca de alguma mensagem ou chamada perdida durante toda a semana.
A pequena um dia volta com novas perguntas, eu sei. Eu espero.


Cores Quentes

Posted on 02:12 In:



















Vamos ser francos, nunca havia te enxergado além de um rascunho.
No entanto, há cafeína ao extremo nessas madrugadas;
Há corredores e jardins virgens em rubro escarlate.

Ainda resta culpa que se ampara no equilíbrio.
Culpa que enxerga êxtase na fuga.
Por agora, já se foi.
Ficaram somente as cores quentes, você é capaz de ouvi-las?

Está tudo guardado na interpretação da obra, pois no fundo,
Sempre busquei mais que o excesso.
Seu desejo pela composição da forma mais pura, trouxe Sofia,
Tão singela de volta pra mim.

Vi a lua essa noite e quis dormir sem poesia, mas Caroline não deixa.
Caroline se faz presente, traz as horas, traz o homem.
Saiu do rascunho, ficou pra rimar.


Stella

Posted on 01:21 In:























God was there,
Always had the best of drugs,
knew where to get them, brought a ladyfriend...
And i believe her name was Stella,
and he said: Stella, Stella,
i wanna give you the world if you just stay with me tonight.





























Não quero amar o braço descarnado
Que se oculta em meu braço, nem o peito
Silente que se instala no meu lado.
Na presente visão de seu passado
Em futuro sem tempo contrafeito,
Em tempo sem compasso transmudado.
O morto que em mim jaz aqui rejeito.
Quero entregar-me ao vivo que hoje sua
De medo de perder-me em pleno leito.
A luz de ardente e grave e cheia lua.

Quando chegares ao aeroporto,
ainda não terás chegado;
quando chegares até meu abraço,
ainda não terás chegado;
quando chegares a alguma casa,
ainda não terás chegado;
quando chegares até o centro,
até o centro de meu ser,
ainda não terás chegado,
ainda não terás chegado.

Mas quando fores para teu leito
mas quando a sós adormeceres
e quando tudo estiver escuro
quando eu, de pé, ao pé de teu sono,
sentir teu sono, teu sono justo -
aí então terás chegado,
terás chegado.

De Leão

Posted on 21:50 In:















Não, sim e não. Sim, não e sim.
Melhor opor o 8 aos 80 do que sentir tudo meia-boca, feito fuligem: decidir por cair três vezes de cabeça ao invés da estagnação, do nada.
Quebrar rotinas como quem troca de roupa, enfiar prosa na poesia - entre achados e perdidos, preto no branco, acabemo-nos todos, ímã que se partilha.
Pôr um preço alto na alma e esquecer o corpo: decidir pela sonoridade da leveza e pela solidão sem jargões, pura e simples.
Ser mais Rolling Stones do que Beatles, escancarar, só quem se mostra vive de verdade. Ser fugaz, ter tesão pelo estrago.
Bom de se vestir é sempre tirar a roupa depois, isso que fica sobre a pele é tão removente, sobressalente, sempre.
Viver sempre na verdade, isto é, na própria verdade. Egoísmo alheio recheado de princípios próprios, sem moralismo.
Reinventar a própria realidade, quantas vezes for preciso e com quantas pessoas for preciso.
Por outro lado... todavia... através do espelho... como ser aqui, isso, se não se conhece o outro aí?
Não venha me dizer, mais uma vez, que é apenas personalidade forte.