Sempre que me via nos braços de Miguel, me sentia como uma Tereza*, aquela criança ingênua e até mesmo frágil, entorpecida de amor. Tamanha doçura fazia fechar os olhos pro mundo, pras pessoas e pros rascunhos. Era cuidado que transbordava, era sua boneca de porcelana, tão pequena e perfumada. Sim, como era bem cuidada...
Sentia o abraço quente, a comida na mesa, os pés tão pequenos e delicados em cima dos de Miguel, caminhávamos assim para o quarto, com meus pés pequeninos em cima dos dele, tão grandes. Sorriamos, caíamos, eramos uma pessoa só.
Estava segura, tão segura... se perguntassem do quê, não saberia responder. Se perguntassem porque tudo aquilo não foi o suficiente, saberia menos ainda.
Então, certo dia, fugiu. Fugiu dos sonhos, dos braços fortes, da segurança e, no mais, levou todo o amor. Só não se deu conta de que o que amava era a fuga e não seu destino.
Não se deu conta que a leveza de Miguel não viveria sem o amor que fora levado, nada é tão forte assim... mas não se tratava de força, ele não merecia tudo aquilo... aquele amor tão puro nunca mereceu.
Abandonei Tereza ainda febril, não devolvi nem as malas. Ficou parada na beira da estrada com um exemplar surrado de Anna Karênina debaixo dos braços.
Braços que hoje só pertencem a lembranças do que um dia chamei de número seis.
*Referência a personagem de Milan Kundera do livro A Insustentável Leveza do Ser.