Arrumei as malas de vez. Parei de fechar os olhos e me imaginar voando, desvencilhando de obstáculos e sorrindo como uma criança que corre sem coordenação motora.
A balança era pesada, de fato. Os livros já traziam mais dor e sofrimento do que vislumbres de um futuro certo e estável. A frieza dos códigos e a falta da intertextualidade faziam-me estremecer todas as vezes que olhava aquele terno.

Dos sorrisos é que mais irei sentir falta, dos abraços calorosos e da doçura das tardes quentes. Vou sentir falta das mãos de moça, sábias e famintas que tanto enriqueceram minha vida. Descobri sentidos e cores femininas pela primeira vez.
Abandono meu prestígio cedo mas em tempo, me sinto as vezes como um astro de rock mimado. Mas acredito que me despeço porque sei que meu reflexo permaneceu, intacto, naquele prédio. Assim deve, portanto, ficar.
Deixo resquícios de um certo respeito que orgulho ter vivenciado, pelos sábios mestres que me incentivaram e pelos que me desmotivaram também - é deles que me orgulho com todas as forças de ter conquistado o olhar.

Arrumo as malas para um futuro incerto, agarrei-me à escrita como guia fiel. Desejo que meus atestados e receitas médicas sejam diluídos em cada linha de um papel que já não será só meu, mas de onde minha voz puder alcançar.
Não desejo que as pessoas recordem meu nome, ou meu rosto, minh'alma estará preenchida se qualquer pensamento que a caneta carrega puder se fechar com a verdade de outrem.
A eterna busca pela empatia do estranho através da leveza das palavras.

Acredito que esteja percorrendo o caminho certo para almejar esta vida doce, leve como uma estória e tão sonhada e fantasiada como tal.
Agradeço à Nietzsche, que me mostrou que uma vida não basta mas é tudo que temos e tudo que teremos para deixar nossa singela marca neste mundo.
A sabedoria dos escritores me fez vislumbrar um trem, rápido demais para ser alcançado. Se um dia eu e meus sapatos oxford o alcançaremos a tempo, não sei dizer. Arrisco um final tolstoiano sem medo, abraçando a escuridão do destino.

Sempre fui de dar voltas, ler sobre tudo possível até decidir e finalmente escolher. Dificilmente sei dizer bem o que quero, mas sempre soube expressar com veemência tudo que não quero.
Dessa forma, de todo o medo que possuía, sabia que mais cedo ou mais tarde teria que desfazer das minhas vírgulas e colocar um ponto final na redação.
Não sei porque, me sentia fraca por correr. Perguntava-me se no fundo tudo isso não fosse uma fuga. Se estava lúcida o suficiente para abandonar todas as noites viradas e esvairadas dos meus últimos dois anos.
Ainda estou perdida, mas agora há algo diferente, que cobre a angústia e me traz certa paz.
A escolha veio naturalmente, no começo tímida e frágil e depois forte e imponente. Como se não existisse realidade sem as marcas no corpo de tudo que ronda o imaginário do Dever Ser.

No final, tudo que importa é o que navega a mente do homem ao final do dia. A tentativa do sono trouxe-me um sonho: minha velha câmera, meus amontoados de cadernos de esboços e divagações ao longo dos anos. Minha voz... guardada num tempo perdido. A luta pulsante, para o estranho, pelo estranho, onde cabe toda a cegueira da humanidade.
Peguei o telefone, senti meu peito acelerar. Liguei. A frase que ouvi logo em seguida da narrativa nunca me sairá da memória "Você sonhou que era uma Jornalista, não percebe?".