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About a Girl

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"Nasci em 1992, no interior do estado. A dança-teatro e o cinema formaram meu primeiro imaginário: a palavra vinha como complemento das imagens. Quando descobri os livros, bem cedo, aceitei-os apenas como o lugar das palavras e das idéias, vendo as imagens a que remetiam ou sugeriam, como fantasmas imponderáveis e sem substância, descabidos, impróprios para aquele tipo de veículo. Quando me pedem que fale de mim mesma, sinto o incômodo, pergunto: que imagem devo projetar? Tenho tantas. Acho que a melhor para o caso é a que passo nos próprios posts, de alguém que escreve mas não acredita nos fantasmas das palavras, embora eles sejam inevitáveis. E a melhor forma de conviver sem temor com essas fantasias é jogar com elas, torná-las risíveis, desautorizá-las, de modo a evitar o poder técnico abusivo que tem quem escreve, para iludir o leitor."

Aos destinatários destas palavras

"Pra dilatarmos a alma
Temos que nos desfazer
Pra nos tornarmos imortais
A gente tem que aprender a morrer
Com tudo aquilo que fomos
E tudo aquilo que somos nós"


O Teatro Mágico

Quem lê

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Ele a amara desde a infância até o momento em que a acompanhara ao cemitério, e amava-a em suas recordações. Isso o levara a pensar que a fidelidade é a primeira de todas as virtudes, que a fidelidade dá unidade à nossa vida, que, sem ela, iria estilhaçar-se em mil impressões fugidias.
Franz costumava falar sobre sua mãe com Sabina, talvez fosse de sua parte um plano inconsciente: supunha que Sabina ficaria seduzida por sua tendência à fidelidade, e que isso seria uma forma de prendê-la.
Era, porém, a traição e não a fidelidade que seduzia Sabina. A palavra fidelidade lembrava-lhe seu pai, puritano de província que, por lazer, pintava aos domingos o poente sobre a floresta e
buquês de rosas num vaso. Graças a ele, começou a desenhar muito jovem. Aos quatorze anos, apaixonou-se por um rapaz da sua idade. Seu pai teve medo, e proibiu-a de sair sozinha durante
um ano. Um dia, rindo muito alto, mostrou-lhe reproduções de Picasso. Já que não tinha o direito de amar um rapaz da sua idade, apaixonou-se pelo cubismo. Depois de formada, foi para
Praga com a reconfortante impressão de que finalmente poderia trair a família.
A traição. Desde nossa infância, papai e o professor nos repetem que é a coisa mais abominável que se possa conceber. Mas o que é trair? Trair é sair da ordem. Trair é sair da ordem e partir para o desconhecido. Sabina não conhece nada mais belo que partir para o desconhecido.
Inscreveu-se na Escola de Belas-Artes, mas não lhe era permitido pintar como Picasso. Era preciso então, obrigatoriamente, exercitar o que se chamava de realismo socialista, e na Escola de Belas-Artes fabricavam-se retratos dos chefes de Estado comunistas. Seu desejo de trair o pai continuava irrealizado, pois o comunismo não era senão outro pai, igualmente severo e limitado, que proibia não só o amor (a época era de puritanismo) mas também Picasso. Casou-se com um medíocre ator de Praga, só porque este tinha reputação de excêntrico, e porque os dois pais julgavam-no inaceitável. Depois sua mãe morreu. No dia seguinte, voltando a Praga depois do enterro, recebeu um telegrama: seu pai suicidara-se de desgosto.
O remorso tomou conta dela: seria tão errado da parte de seu pai pintar rosas num vaso e não amar Picasso? Seria tão condenável temer que a filha aos quatorze anos ficasse grávida? Seria
ridículo não ter conseguido viver sem sua mulher?
Mais uma vez, estava possuída pelo desejo de trair: trair sua traição inicial. Anunciou ao marido (não via mais nele um excêntrico, mas sobretudo um bêbado incômodo) que iria deixálo.
Mas se traimos B., por quem tínhamos traído A., isso não quer dizer que vamos nos reconciliar com A. A vida do artista de quem se divorciara não se parecia com a vida de seus pais traidos. A primeira traição é irreparável, ela provoca, numa reação em cadeia, outras traições das quais cada uma nos distancia cada vez mais do motivo da traição inicial.

[...] De perto ou de longe todo mundo estaria olhando; era preciso, de uma maneira ou de outra,
representar uma comédia diante de todo mundo; em vez de ser Sabina, ela seria forçada a representar o papel de Sabina e a descobrir a maneira de representá-lo. O amor oferecido ao
público como um alimento ganhava peso e tornava-se um fardo. Só de pensar nisso curvava-se, por antecipação, sob esse peso.
Estava ainda em plena confusão e não sabia se devia ou não ficar contente. Pensou no encontro deles no vagão-leito do trem de Amsterdã. Tivera vontade, naquele dia, de se jogar a seus pés, suplicando-lhe que ficasse com ela, de qualquer maneira, e que nunca mais a deixasse partir. Naquela noite, quis acabar de uma vez por todas com essa perigosa viagem de traição em traição. Teve vontade de parar.
O que é viver na verdade? Uma definição negativa é fácil: é não mentir, não se esconder, não dissimular nada.
Para Sabina, viver na verdade, é mentir nem para si nem para os outros, só seria possível se vivêssemos sem público. Havendo uma única testemunha de nossos atos, adaptamo-nos
de um jeito ou de outro aos olhos que nos observam, e nada mais do que fazemos é verdadeiro. Ter um público, pensar no público, é viver na mentira. Sabina despreza a literatura em que o autor revela toda a sua intimidade, e também a de seus amigos. Quem perde sua própria intimidade perde tudo, pensa Sabina. E quem a ela renuncia conscientemente é um monstro. Por isso Sabina não sofre por ter de esconder seu amor. Ao contrário, para ela esta é a única forma de viver na verdade.
Franz é forte, mas sua força é voltada unicamente para o exterior. Com as pessoas com quem vive, com aqueles que ama, é fraco. A fraqueza de Franz se chama bondade.
Franz jamais daria ordens a Sabina. Nunca mandaria - como Tomas fizera em outros tempos - que ela ficasse inteiramente nua em cima de um espelho e se pusesse a andar de um lado para o outro. Não que lhe falte sensualidade, mas ele não tem força para comandar. Existem coisas que só podem ser conseguidas com violência. O amor físico é impensável sem violência.
Sabina continuava com suas reflexões melancólicas.
Disse: - Por que de vez em quando você não usa sua força contra mim? - Porque amar é renunciar à força - respondeu Franz docemente.
Sabina compreendeu duas coisas: primeiro, que essa frase era bela e verdadeira. Em segundo lugar, que, com essa frase, Franz acabara de excluir-se de sua vida erótica.


*Uma pergunta me lembrou dessas partes do livro do Kundera hoje.

Essa Pequena

Posted on 21:52 In:



















Meu tempo é curto, o tempo dela sobra
Meu cabelo é cinza, o dela é cor de abóbora
Temo que não dure muito a nossa novela, mas
Eu sou tão feliz com ela

Meu dia voa e ela não acorda
Vou até a esquina, ela quer ir para a Flórida
Acho que nem sei direito o que é que ela fala, mas
Não canso de contemplá-la

Feito avarento, conto os meus minutos
Cada segundo que se esvai
Cuidando dela, que anda noutro mundo
Ela que esbanjar suas horas ao vento

Às vezes ela pinta a boca e sai
Fique à vontade, eu digo, take your time
Sinto que ainda vou penar com essa pequena, mas
O blues já valeu a pena
























Essa madrugada a narrativa será envolta pelo livro le femme rompue da Simone de Beauvoir. Identifico e ao mesmo tempo acho distante por demais os parâmetros que poderiam ser comparados a Simone e Sartre e as minhas narrativas.
Confesso que o difícil mesmo vem sendo escrever na primeira pessoa e jogar aos ventos a mistura de cores das máscaras dos meus personagens.
Pois bem, hoje falarei do homem que foi responsável pelos dias mais felizes da minha vida.

***

Não desejo que a vida se ponha a ter outras vontades que não as minhas. Foi isso que pensei ao largar meus antigos romances infantis e me embarcar cegamente num navio de premissas, sonhar com aquele país das maravilhas.
Mas apesar da cautela para amaciar a quebra de sonhos que se sucedia, a situação se tornou crítica. Talvez se tudo fosse direto, descuidado os rumos poderiam ser melhores, ou não. Só sei que as pessoas sempre simpatizam mais com a desgraça do que com a felicidade.
Não me sentia absolutamente rejeitada pelo meu meio; eu é que o abandonara a fim de entrar nessa sociedade de que via ali uma miniatura, um mundinho novo cheio de medos e esperanças.
Hoje cedo nossa história desabrochou na minha memória e desejei ardentemente ser de novo a garota que vai pro colégio de freiras de manhã e tem uma certeza serena… No entanto, não quero acreditar: um ato de fé é o ato mais desesperado que existe e quero que meu desespero pelo menos conserve sua lucidez. Não quero mentir para mim mesma, eu não sou essa garota e se ainda fosse seria cega, ardente de paixão, de sonhos e de desejos que visavam retardar o relógio. Já sabia que tudo aquilo um dia acabaria, por isso mesmo, fui a mulher mais feliz desse mundo naqueles meses, naquele ano.
Socialmente, o paralelo entre as nossas idades sempre foi notado com indiferença. As roupas eram colegiais, com direito a fichário colorido e tudo mais. O corpo ainda tinha traços de menina e os sonhos eram plenos mesmo que infantis e romantizados. O silêncio que permeava entre sua família quando descobria minha idade ou meu uniforme se arrastou comigo um bom tempo.
O frio no estômago quando o vi sem camisa naquela época explica tudo que eu era, uma menina encantada e ao mesmo tempo assustada; não sabia o que era corpo de homem. Me assustei com aquele peitoral largo que seria por tanto tempo o bálsamo do meu sono, foi com a cabeça recostada sobre ele que descobri que amava, e como amava cada pedaço daquele porto seguro.
Ele é todo beijo na testa e chocolate quente na cama. É o entrelaçar de pernas, sentir frio a noite porque eu roubei a coberta e não tem coragem de me tomar. É o braço dormente porque mesmo durante o sono aqueles abraços demorados não poderiam cessar, pra quê olhar pro lado para a certeza da sua presença quando posso te sentir comigo toda a noite, até o dia clarear.
Era inocente, reluzente. Era a pureza da chama que se consomem os diamantes mais límpidos, era a certeza de que mais do que tudo que já era, era tudo bem escrito com tamanho amor. Não era preciso saber onde o outro estava ou com quem estava, não tinha nenhum jogo de angústia. Cuidávamos sempre um do outro, nunca havia dor.
Amava mesmo as peculiaridades, os presentes de antigas namoradas expostos, o cheiro do cigarro em suas mãos e do café no seu hálito, amava a forma como ele não sabia se vestir, a sua indiferença com o futuro e amava até mesmo os seus roncos nas noites de inverno.
Era sonoridade, sabor, tom, pele, visual, intelecto e leveza.
O problema está no termo final, a minha leveza, a nossa leveza, doente de tão apaixonada. Cega e entorpecida passara das nuvens e prosseguia sem controle. Abandonamos a vida externa naquele ano, construímos o país das maravilhas e achávamos que duraria para sempre. Não durou, ele se agarrou ao último instante que pode antes de pegar as malas e seguir a estrada, sempre com juras que tudo aquilo era também por nós num futuro (in)certo.
Não havia dinheiro, espaço, conforto, comida, saídas, nada. Eram dois dias dentro de um quarto pequeno, quente com o desconforto do barulho do metrô. Eu esperava por aqueles dias mais que qualquer coisa na minha vida, toda vez que eu partia, que ele partia, era como se eu tivesse que morrer de novo, ver de novo o xadrez e o cinzeiro serem empacotados e levados para longe de mim.
A distância foi a melhor dor que senti na vida, dor com certeza plena de revigorada pelo relógio, que agora, tornara-se inimigo. Como é estranho o amor...
Precisei reviver tudo que foi belo e passou para encontrar o peso, que ironicamente surgiu da leveza mais extrema. Extremos, se avaliados no contexto geral, nunca são bons, mas quem vai negar a delícia que é morrer de amor?
Voei com a minha leve bagagem, difícil o abandono como pensei não foi. Difícil mesmo foi a nova vida, as paredes finas e a miniatura que tudo isso me tornou. Naquele tempo ele foi mais que família, pai, amigo, irmão. Ele foi os braços que machucaram carregando minha estante e as mãos que me acalentavam numa maca de hospital. Foi meu herói, não há palavra melhor.
Por isso ainda é tão difícil definir quando suas asas foram perdendo a cor, ou quando as minhas começaram a se espremer, implorando para crescer.
Amar é diferente de enxergar alguém como possibilidade para uma vida, o amor nem sempre dura o eterno retorno de Nietzsche.
Encerro ele aqui com muito cuidado e lágrimas que desconhecem a que sentimento pertencem.
Com ele nunca precisei de cautela para escrever sobre o amor.


*esse assunto é muito forte e não consigo revisar esse texto hoje, perdoem os tropeços.
**não revisei o texto, não posso mudar o que é tão sincero e espontâneo.




















Esse é um último e talvez único adeus dignamente verbalizado e unicamente direcionado a uma personalidade concreta e existente.
Em tudo que escrevo misturo histórias, amores, desamores, amigos, desconhecidos, rabiscos presentes, passados e principalmente personagens. Tenho costume de costurá-los uns nos outros pelas suas essências constantes e inconstantes que provém dos que me rodeiam. Gosto de embaralhá-los como cartas e jogá-los aos meus ventos. Feito isso, gosto ainda mais de acreditar que os imortalizei - justificativa do trecho da música do Teatro Mágico na descrição dos destinatários, todos aqueles que alimentam a essência dos meus personagens.
Apesar disso, só por hoje vou me ater a uma sugestão que recebi nessa manhã, começar a escrever sobre o mundo que não inventei, procurando me despedir de tudo que ainda pesa na bagagem. Só por uma vez escrever sobre um fato, sobre alguém que existiu, com uma ajuda de Virginia Woolf em certos momentos.
Escolhi o poema "Ultimo Poema" do Manoel Bandeira como determinante dos meus pesos e talvez, a saída para a leveza que busco.

***


No caminho além da porta da casa dele, ela se ateve aos reflexos do óculos de sol que cobriam mais que os olhos. Sabia que não voltaria mais.
Ainda se contenta em não buscar as respostas diretamente da fonte, não por orgulho, mas pelas interpretações errôneas que se sucediam nesse caso.
No entanto, era preciso um esclarecimento e se não seria para ele, que fosse para si mesma, para a mente se calar a respeito da frieza, do embrutecimento das falas, do rosto na janela que fazia questionar os métodos, não a decisão.
Esse é um adeus pra mente que permeia sobre o que não pode verbalizar, direciono-o para ela mais que para ele.
Nunca foi o que faltava. Perspicácia? Caráter? Fosse o que fosse, ele tinha isso.
Mas de tudo que existe, nada é tão estranho como as relações humanas, com suas mudanças, sua extraordinária (ir)racionalidade.
Dessa forma, tão logo essa palavra "amor" se verbalizou sonoricamente no quarto, ou mesmo lhe ocorreu como mera possibilidade futura, ela a rejeitou.
A rejeitou por se ver como um ser que não possui o pleno alcance de sua estabilidade. Quanto mais se tratando de um domínio de feelings, de relações afetivas pela metade.
Sempre lembro de Renato Russo cantando "afinal, será que amar é mesmo tudo?" quando recordo a expressão de baque que eriçava aqueles cabelos vermelhos.
De fato não estava pronta para um caminho incerto, uma hora a possibilidade não verbalizada aniquila tudo de uma vez ou progride de maneira assustadora. As relações humanas são mutáveis e imprevisíveis por demais.
Ela também nunca encontrou nada de tão extraordinário na natureza humana, a menos que esta se encontre submersa nas artes.
Se enganava dizendo que fugia dos artistas. Na família dela era costume pensar que artista é ainda mais instável que gente. Artista é bipolar nato - diziam.
De toda forma, sempre esteve exposta ao fascinante mundo daqueles que (re)produzem tudo que há de extraordinário na natureza humana.
A vida de encontros e desencontros, trazia novos artistas para sanar os verbetes passados vividos no antigo palco, nas cortinas empoeiradas e nos camarins apertados.
Verbetes que jamais jaziam dentro dela. Verbetes acesos certa vez nas páginas do livro, aquele que ele encontrou e depositou na sua estante.
Despertou saudade do palco, mas daquelas doídas fragmentadas de possibilidades. Quando a pergunta sobre a obra finalmente surgiu, ela disse que não havia nem mesmo lido o livro.
Apesar dos silêncios, acredito que a sua infelicidade é um estado de espírito. Quero dizer ainda que em meio a tudo isso, a resultante não obstante tem de ser uma causa específica necessariamente.
Mas existem seres tanto capazes de elevar esse estado de espírito, como outros que o reduzem até o mais ínfimo sopro. A menina fugiu em busca do seu eterno retorno nos braços desses seres que podem trazer de volta alguns raios de sol. Acredita que talvez tenha finalmente encontrado a fuga dos t(r)emores.
A perspectiva de céus e poços não é meramente intencional. Confesso que não sei o que é ou deveria ser, só sei que ele a reduzia como amante, e a elevava como amigo. Como amantes se objetalizavam e como amigos se compreendiam.
É o amigo que falta. Ela só se deu conta quando numa situação de pânico viu seus dedos digitarem o número dele no celular. Era um sentimento de companheirismo, confiança da ajuda certa, de quem tomaria as decisões mais racionais e seria sincera quanto aos resultados, muito diferente dos passos oscilantes do amante que só refletiam insegurança e meias verdades.
Hoje gosto de imagina-lo como alguém que esteja sempre em pleno voo. Lê-lo, ao que tudo indica, eu não devo mais.



*Foi a primeira vez que eu tinha a fotografia na cabeça em sintonia com o texto, a escolha não poderia ser diferente.