Eram quase sete da manhã, o dia tinha amanhecido nublado e admirávamos a raridade de uma temperatura agradável nesse calor tropical detestável.
Tinha passado a noite estudando Brasil Colonial e conseguira ir até o Brasil República. Estava feliz pelo progresso. Havia virado a noite, por isso tinha certeza de que iria dormir durante toda a viagem, tinha de descansar para uma entrevista de emprego.
Chegamos na padaria, o estômago embrulhando e o delicioso aroma do queijo na chapa acariciava nossa fome. No entanto, ele já chegara, fôra pontual e isso era de se espantar.
Não comemos, voamos para o encontro. Afinal, alguém tão pontual merecia que passássemos as próximas três horas de estômago roncando.
Logo o avistei, baixinho e magrelo de cabelo ralo. Os olhos muito claros logo se apresentaram: -Prazer, me chamo Joaquim. Disse o homem todo animado enquanto carregava uma pesada caixa nas mãos.
Enquanto tentava disfarçar a falta de jeito por ser - socialmente forçada - a iniciar alguma conversa qualquer com um desconhecido, meus olhos logo se esgueiraram ao encontro dos inúmeros livros que estavam cuidadosamente guardados em seu porta malas.
Tudo isso me intrigou, mal sabia que era esse homem, o baixinho, também responsável por revelar-me todo um universo que sempre quisera pertencer e não sabia. Disse-me então, que era editor da Gulliver, formado em Jornalismo, mochileiro, conhecedor do mundo e de escritores contemporâneos renomados.
Tudo aquilo pareceu-me tão belo e lamentavelmente distante da situação que me aflige nesse exato momento... Meus desejos e sonhos projetados numa expectativa. Num "querer ser" meramente sonhado, repleto de empecilhos profundos.
O dinheiro era curto, mas era suficiente para encontrar a felicidade nos pequenos prazeres, ele afirmara.  Numerou as diversas viagens que fizera e conversamos sobre alguns livros e autores.
Confesso que senti-me insegura e ao mesmo tempo curiosíssima. Mal pude conversar com o editor, assim como também não pude dormir.
Me saboto, minhas mãos tremem e gelam com a ânsia do desconhecido. Surge um medo de revelar a fragilidade da criança questionadora repleta de admiração. Desorganizo meu tempo, meu corpo não aguenta todo o cansaço.
A melancolia pós viagem logo tomou conta do novo cenário. A nova cidade significava também uma nova vida que surgira, prepotente como um soco em meu destino. Não a desejava, mas era sua mais jovem subordinada.
A nova vida significava abandonar, pelo menos por mais um ano, o sonho do Jornalismo.
Significava oito horas de segunda a sexta e mais seis horas durante o sábado, num trabalho medíocre e infeliz para conseguir um pouco de tudo aquilo que me impede de estudar.
Não escrevo para tentar me explicar, talvez eu seja feliz nesse novo ano. Ainda vislumbro uma reforma de verdade em toda essa bagunça pintada de mágoas institucionais.
Apesar dos pesares, me vejo livre nestes pequenos vislumbres e não mais tão só. A falta me trouxe amores em seios distintos, reforçou amizades, ensinou-me a valorizar laços sanguíneos de irmandade e renovou minha certeza o amor é sinônimo de empatia.
Não ter dinheiro me libertou de todos os olhares agressivos e humilhantes, temi que todo esse sentimento me perseguisse por mais alguns anos.
Ir embora foi a decisão mais difícil que já precisei tomar. Pasárgada me espera, eu sei. Procuro somente essa rima rara, oriunda do reflexo do espelho de lá.