Uma página em branco, minhas aflições.
Dei um salto no vazio, engoli seco com os olhos ardidos e disse que iria embora.
Seus olhos se encheram d'água por um momento, olhos tão parecidos com os meus, mas as vezes pareciam mais claros, pois faziam um belo contraste com seu tom moreno de pele.
Prometi que um dia voltaria para buscá-lo, o pequeno apenas forçou um sorriso e ficou por um longo tempo com o olhar vago. Disse que sonhara com isso, mas que na noite em que eu partira nos seus sonhos, havia escadas longas e infinitas.
Posso ser cética para muitas coisas, mas nunca duvidei que nossos sonhos podem revelar um universo tênue e sagaz que muitas vezes contrasta, sem intenção, aos eventos do acaso. Alguns também chamam tudo isso de subconsciente delator.
Olho nesse instante, com receio de que seja a última vez, as grandes paredes das quais nunca pertenci. Sinto falta das pequenas e acolhedoras, do barulho e do barato. De nós três que juramos uma vez, sermos um.
Olho para o meu pequeno deitado ao meu lado, nesse instante, no sofá. Não foi pra cama essa noite, manteve-se até o último instante ao meu lado. Sei que isso se deve a minha partida e ouvir sua respiração profunda ao meu lado, paralisa meu coração já ensopado.
É estranho como toda a nossa história foi rodeada de circunstâncias para nos causar inimizades, no entanto, é para ele que olho com ternura e choro nesse momento por ter de partir. É por causa do pequeno, eu sei, que volto sempre aqui.
Lembro, como se fosse hoje, que o dia mais feliz da minha vida foi o dia em que ele nasceu. Deve ser por isso que o choro doído não para. Deve ser por isso que a escolha é o inferno e a culpa é de todos nós.
São quatro da manhã, a mala está pronta, os livros embrulhados... tenho uma hora para olhá-lo até partir. Será que o acordo? Será que doerá menos se deixá-lo dormir? Talvez eu escreva um bilhete, mas não encontro palavras que possam amenizar e expressar todo esse turbilhão de sensações. Talvez eu apenas diga "Eu te amo, irmãozinho. Um dia eu volto, por você."